sábado, 28 de março de 2009

.absorption revery.

(fotografia por V. Caldeira)
esta casa viu-nos acontecer. mediu-nos o olhar carnívoro da primeira vez que exaltamos o bafo; transpôs os limites temporais quando nos lançamos contra as portas, ruidosamente, e caímos no chão, entre as paredes que absorviam o teu cheiro. esta casa viu-nos incendiar, o suor recíproco a estender-se sobre a cama, o fogo nas minhas mãos a consumir as tuas ancas, os músculos de todos os sentidos – rendermo-nos, como animais aos restos de pulsação. é como alimentarmo-nos de algo que amamos sem que este se destrua no estômago; é uma corrosão sem deixar restos, só rastos de nós, espalhados no chão, rastos que respiram a escuridão delicada. esta casa viu-nos respirar a escuridão – olhares traçados, suspensos como reticências quase sorridentes, quase como feridas infligidas por amor. as mãos a dançarem, flutuantes, sobre as nossas bocas, uma nudez que dói e adormece os movimentos. e enquanto fiz dançar as minhas mãos quis dizer-te que nunca chegamos a ser duas pessoas – antes da casa nos ver acontecer fomos dois fragmentos rasgados, a caminharem desonestos pelos mesmos espaços, remotamente. [a minha alma é ténue. a minha alma é tua. a minha alma é tua e é quase minha de tão tua.] a minha alma saiu-me pelos olhos, abandonou-me para te encontrar e te arrastar para dentro de mim num suspiro virtuoso.

Dentro da casa olham-nos (penso eu, porque não sei pensar de outra maneira) – as mãos abraçadas com a força habitual. Sabem que sim. Mas esta casa viu-nos fazer poesia.
V. Caldeira (2008)