quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

.embrace of a silent death.

(fotografia por V. Caldeira)

quando te deitaste sobre o mundo eras só tu; com os olhos fechados, a respirar muitas vezes dentro dos contornos da noite. eu era quase nada enquanto te ouvia. e soube tão bem ser quase nada – as minhas mãos não eram mãos, eram coisas; eram mãos quando te tocavam mas depois desapareciam dentro de ti. dentro do teu peito ouvia-se o mar feito de ondas apressadas, marés que subiam e voltavam envoltas em espuma. por vezes confundia-se com o quarto e os espelhos que oscilavam mas naquele momento eu tive a certeza de muitas coisas porque te embalei. [amor, a noite acena-me e eu não adormeço.] – tu não adormecias. a noite acenava-te. até eu decidir ser mais do que quase nada, a noite foi imensa. depois acolhi-te dentro da minha pele, a cidade e as ruas, as luzes esbatidas, os arcos de todos os edifícios, o vento nas cortinas que não eram minhas, linhas opacas. os teus olhos eram contornos a arrecadarem a claridade. contive a fome durante muito tempo; queria estar ali, a sorrir porque a tua sombra me apaziguava e porque o teu cabelo tinha o cheiro da terra molhada. tinha o cheiro da chuva entre as chuvas. foi como uma canção que eu ouvi há muito tempo – quando ainda não te conhecia e tinha os olhos virados para o mar. os meus olhos eram varandas pequenas, saturadas pelo sal, o som dos búzios, as areias poluídas pelo odor das aves mortas. antes de ti existia o areal atravessado de negro; mas hoje eu adormeço-te. as aves mortas apodreceram – o mar levou os restos, consumiu-lhes as asas e as covas cegas dos olhos. a paisagem ressurge e é hoje, apenas, quando te deitas sobre o mundo, de olhos fechados, a respirar muitas vezes dentro dos contornos da noite, dentro de mim, a anulares as minhas mãos. [e depois?]


depois morro profundamente até ser o dia em que voltas e destróis todos os relógios do mundo.

V. Caldeira (2008)